O Futuro em Construção: Último Dia do Web Summit Rio Mostra Como a Tecnologia Precisa Ser Humana
O terceiro e último dia do Web Summit Rio 2025 não encerrou com um ponto final, mas abrindo espaço para reflexões sobre os caminhos da inteligência artificial, os desafios de uma internet mais justa e a potência transformadora dos criadores de conteúdo. Em vez de respostas, as falas dos protagonistas desse dia final deixaram perguntas reverberando. Como reconfigurar nossas interfaces? Que futuro queremos ao colocar agentes de IA no centro da jornada? E, principalmente, como garantimos que a tecnologia seja uma aliada da inclusão, da equidade e da humanidade?
Esse foi o tom dominante nas conversas e apresentações, que orbitavam um eixo comum: a AI está por toda parte — e ainda assim, não pode estar sozinha. Ao longo das sessões, ficou evidente que estamos atravessando um novo limiar, onde as interações com máquinas deixam de ser operacionais para se tornarem relacionais. “Estamos saindo da era das interfaces gráficas para um paradigma onde o que importa não é mais o botão, mas a intenção”, destacou uma das vozes da trilha de design. Essa mudança não é apenas estética ou funcional. É filosófica. Redesenhar a interface, agora, é redesenhar a experiência — inclusive para agentes não-humanos que também passam a consumir, navegar e interagir como se fossem usuários.

Na mesma trilha, emergiu um ponto crítico sobre o design de sistemas para inteligências artificiais que agem de forma autônoma. Ao contrário dos assistentes — que esperam comandos —, os agentes tomam decisões. Planejam. Executam. Isso redefine o papel do designer, que passa a ser menos “construtor de telas” e mais “arquiteto de contextos”, antecipando experiências tanto para humanos quanto para inteligências sintéticas. Karina Tronkos , a Nina Talks, lembrou que John Maeda cunhou o termo “experiência do agente” e convidou o mercado a refletir: como será a experiência do seu produto quando ele for usado por uma IA? Isso muda tudo.
A inteligência artificial também foi centro da fala de Maren Lau, presidente da Meta na América Latina, que revelou uma das apostas mais audaciosas da empresa: democratizar o acesso aos modelos fundacionais, como o LLaMA, permitindo que qualquer pessoa ou organização construa suas próprias soluções. O exemplo da Nova Escola, que usa IA para distribuir conteúdos educacionais via WhatsApp em regiões remotas, ilustra como a tecnologia aberta pode ser ferramenta de impacto social direto. Segundo Lau, esse movimento é comparável à criação do Linux: “abrir não é perder controle, é acelerar a inovação”.

Mas não se trata apenas de infraestrutura. Trata-se de uma nova arquitetura de poder. Ao abrir seus modelos, a Meta também reconhece que a inteligência precisa ser diversa. Por isso, a tradução de idiomas indígenas e a inclusão de línguas como o papiamento ou o moarani nos sistemas da Meta revelam um compromisso com a representatividade digital — um ponto que dialoga diretamente com outro destaque do dia: o painel sobre a indústria da beleza e a representatividade negra.
Thais Araújo, ícone da nossa TV e da militância por mais diversidade, foi enfática: “por muito tempo, o Brasil ignorou mais da metade da sua população”. Hoje, 56% dos brasileiros se declaram negros, mas apenas 35% dos influenciadores pertencem a esse grupo. A conta não fecha. Marcelo Zimet, CEO da L’Oréal Brasil, trouxe dados contundentes: 33% da população negra afirma não ter nenhuma referência de beleza. “Não estamos falando apenas de estética, mas de autoestima, de pertencimento, de mercado”, afirmou. Nesse sentido, o marketing do futuro não é apenas personalizado — ele precisa ser plural.

Essa ideia foi reforçada na sessão que abordou a profissionalização da creator economy. Em um papo com Christian Roças, o Crocas, Jade Picon e Bruno Rocha – aka Hugo Gloss, traduziram com clareza a nova fase dos criadores: deixar de ser apenas “influencers” e se tornarem marcas, empreendedores, CEOs de si mesmos. “Hoje, tudo que eu faço tem que ter a minha alma”, disse Jade. A expansão para múltiplos canais — das redes sociais à televisão, do feed ao cinema — não é apenas uma questão de presença, mas de consistência de identidade. Ser criador, hoje, é também ser gestor, estrategista, líder.

Essa discussão ecoou na fala da Diana Ramirez, head Latam do Spotify, que trouxe uma visão crítica sobre o uso de dados e IA na personalização de conteúdo. Mais do que eficiência, o desafio é garantir que a experiência seja genuína. Como afirmou Jason Carmel, Global lead, Creative data da VML: “Se você usa IA para substituir criatividade, você não entendeu nem a tecnologia, nem o criativo”. A personalização precisa ser feita com respeito, com consentimento, com empatia. É sobre usar tecnologia para amplificar a escuta, e não para automatizar a manipulação.

Por fim, Michelle Schneider , auotra do livor O Profissional do Futuro, nos trouxe o olhar para o futuro do trabalho, apresentado na palestra sobre habilidades do amanhã, trouxe um chamado urgente: precisamos investir em pensamento crítico, curiosidade, letramento tecnológico e, acima de tudo, inteligência emocional. “Se a IA vai ser mais inteligente do que nós, nossa diferença estará na consciência — na nossa capacidade de sentir, de conectar, de cuidar.” A saúde mental, mais do que uma pauta, torna-se um pré-requisito para navegar esse futuro em aceleração.
Encerramos esse último dia do Web Summit Rio com a certeza de que não se trata mais de aprender a usar a inteligência artificial. Trata-se de decidir o que queremos construir com ela. A tecnologia está cada vez mais invisível — como a água que corre pelos nossos encanamentos —, mas seus impactos serão visíveis por décadas. Resta a nós garantir que, no futuro, sejamos não apenas usuários, mas autores. Que sejamos, como disse uma das palestrantes, menos engenheiros de soluções fechadas e mais jardineiros de futuros possíveis.