Quem conhece Austin e o SXSW vai inevitavelmente cair na tentação de compará-los. Afinal, é quase um reflexo natural olhar para Londres e imaginar Austin com sotaque britânico. No entanto, esta primeira edição no coração de Shoreditch prova que é, de facto, a mesma coisa mas não é. É a mesma energia criativa mas com uma identidade própria.
Shoreditch, o caldeirão multicultural
Shoreditch é hoje um dos bairros mais pulsantes de Londres. É uma zona marcada por décadas de imigração, em especial da comunidade bengali, e onde a arte urbana, os restaurantes independentes e as pequenas galerias convivem em harmonia. A Brick Lane é a espinha dorsal deste ecossistema, com a Truman Brewery como epicentro de muito do que acontece. A energia é autêntica, mas profundamente diferente do que se vive em Austin.
Espaço e escala
Enquanto o Austin Convention Center tem sido o lar tradicional das conferências de maior escala, com capacidade e infraestrutura para acolher multidões com conforto e eficiência, Shoreditch apresenta outra lógica. Os eventos acontecem em antigos armazéns, igrejas adaptadas, salas de espetáculo que preservam o seu carácter original. São espaços com alma, sim, mas que implicam maior dispersão e uma inevitável dose de planeamento. A distância entre locais pode ultrapassar facilmente os dez minutos a pé, o que desafia a gestão do tempo e da energia.
Here comes the… rain
Ignorar a possibilidade de chuva em Londres é um erro de principiante. E quando falamos de um festival que se desenrola em várias localizações ao ar livre e sem corredores climatizados, a chuva torna-se um fator de peso. Este ano o tempo foi generoso, com alguns dias de primavera e até sol, mas as filas à porta das conferências sob uma chuva fina mostraram um dos pontos que precisa de ser resolvido. Circular com chuva até se faz, mas esperar à chuva é outra conversa.
A marca SXSW em modo londrino
Um dos aspetos mais surpreendentes foi a forma como Londres absorveu a marca SXSW e a tratou como se fosse sua. A cenografia dos espaços foi pensada ao detalhe, respeitando o espírito da marca mas adaptando-se ao contexto local com elegância. Poderíamos até dizer que nesse aspeto Londres superou Austin. Mas, estranhamente, falhou num detalhe essencial para quem vive o festival com intensidade. O merchandising. Esperava-se mais qualidade e originalidade. Uma boa t-shirt pode ser um emblema emocional. Aqui, não foi.
Arte espalhada pela cidade
A presença de arte contemporânea foi clara, com várias instalações integradas no percurso do festival e uma zona dedicada. Ainda assim, um dos ícones de Austin, o mítico Flatstock, apareceu tímido e discreto. Faltou-lhe o destaque e o entusiasmo que merece. Em 2026, seria interessante devolver-lhe o protagonismo habitual.
A hora Pub Crawl
Um dos momentos mais genuínos foi assistir à natural integração do clássico pub crawl britânico na rotina do festival. Ao final do dia, muitos dos participantes rumavam aos bares locais, num gesto quase ritual de descompressão, troca de ideias e celebração informal. Foi bonito ver como este hábito londrino se tornou ponto de encontro e prolongamento informal das conversas iniciadas durante as sessões.
Música. Sempre a Música.
Seria injusto falar de SXSW sem falar de música. Londres é uma referência global neste campo e a edição deste ano refletiu isso. Houve concertos de artistas emergentes, nomes consagrados como Erykah Badu e Tinie Tempah e muita música eletrónica pela noite fora. Para quem queria levantar cedo no dia seguinte, não foi fácil. Mas convenhamos, nunca há música a mais.
Faltou talvez aquilo que Austin faz tão bem. Os concertos não oficiais que espontaneamente dão música às esquinas da cidade e criam uma vibração única. Se Londres trouxer essa informalidade no futuro, só ganha.
Comida para todos os gostos
Se há coisa em que Londres brilha é na diversidade da sua oferta gastronómica. Desde o Spitalfields Market até à Brick Lane, passando por food trucks e restaurantes de bairro, há comida para todos os gostos e carteiras. E sim, até brisket texano, para matar saudades do sabor original.
O que correu menos bem e pode melhorar
Como em qualquer primeira edição, há ajustes a fazer. Um dos mais comentados foi a impossibilidade de permanecer na sala para assistir a sessões consecutivas, mesmo tendo o passe. A experiência perde fluidez e o público perde tempo. Resolver esta questão será essencial. Também a logística das filas e da circulação entre espaços pode beneficiar de uma abordagem mais centrada na experiência do utilizador. Têm agora um ano para afinar detalhes que farão toda a diferença.
Same the Same. But Different.
Na Ásia existe a expressão same the same but different. E talvez não haja melhor forma de descrever esta estreia londrina. É o SXSW como o conhecemos, mas com sotaque multicultural, clima instável e uma identidade própria que promete crescer. Não é melhor nem pior. É diferente. E isso, neste contexto, pode ser uma coisa muito boa.